segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

As mulheres da Gafanha (parte III)

Também, de uma forma geral, todas aproveitam algumas horas que lhes fiquem livres para ajudar na modesta faina agrícola da família, seja regar o milho, ir ao mato e à lenha ou tratar dos animais. “A sua vantagem não está no aligeiramento das tarefas, mas sim na mudança do ambiente, na variedade dos assuntos que lhes prendem a atenção e no convívio com as companheiras.” Assim – sublinha Maria Lamas –, as mulheres das secas do bacalhau são “desembaraçadas, faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena actividade, cantando em coro ou simplesmente escutando os programas de rádio, que um amplificador de som leva a todos os recantos das instalações onde trabalham [EPA – Empresa de Pesca de Aveiro], elas constituem um quadro pleno de vitalidade e optimismo”. Refere, depois, o que é o trabalho árduo destas mulheres, desde descarregar, lavar, salgar e levar o bacalhau, todos os dias, para as “mesas” da seca, para depois, mais tarde, empilhar, seleccionar e enfardar. Diz que elas andavam muitas vezes descalças, “apesar do perigo constante de se ferirem, com as espinhas e barbatanas que se encontram espalhadas pelo chão”. E acrescenta que uma ou outra consegue arranjar botas de borracha, “presente do irmão ou noivo que foi aos bancos da Terra Nova”, sublinhando que estas “são consideradas, pelas colegas, como privilegiadas”. “Há ainda aquelas que improvisam uma espécie de sandálias de madeira, amarrando uma ‘sola’ ao pé, com farrapos. São também raras excepções. A regra comum é o pé descalço, porque nenhum calçado duraria tempo que valesse a pena, além de que, não sendo impermeável, nem sequer evitaria que os pés estivessem sempre molhados”, pode ler-se no texto que estamos a seguir e do qual transcrevemos as partes mais significativas, na nossa óptica. Depois frisa os canos, que mais não eram do que “meias sem pés”, os baixos salários, “doze a quinze escudos diários”, e apresenta a mulher que as dirige, a Senhora Júlia, que os gafanhões mais antigos bem recordam.
(Continua)
Artigo da autoria do Prof. Fernando Martins e publicado no Livro do XX Festival, realizado em 10 de Julho de 2004.

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