quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Cortejo dos Reis (II)


Na igreja Matriz, tudo termina com a adoração do Menino que, com sua mãe e S. José, aguarda a chegada dos pastores, Reis e respectivas comitivas. Após essas cenas, mais cânticos se ouvem, enquanto o pároco da freguesia dá o Menino a beijar aos participantes do Cortejo e ao povo que, entretanto, encheu o templo.
Segue-se o leilão de numerosas, variadas e valiosas prendas em ambiente de sã alegria e de generosa participação.
Sobre os autos há ainda pormenores que importa salientar. Referimo-nos aos actores e actrizes que neles fazem viver as velhas e sempre actuais cenas Bíblicas que tanto nos encantam.
As nossas pesquisas não nos levam muito longe e só a figura principal, Rei Herodes, foi possível registar. Assim, recordamos Manuel Caçoilo da Rocha, compilador e adaptador do texto, tal como está, e ainda ensaiador. Também recordamos Domingos Fernandes, Manuel da Rocha Fernandes Júnior, Manuel Fidalgo Filipe (o Perrana) e Manuel Alberto Vilarinho Carlos. Este é Rei Herodes Há cerca de três décadas, ao mesmo tempo que acumula a responsabilidade de ensaiador geral.
(….)
Como ensaiadores dos cânticos, queremos destacar Dionísio Marta e Manuel Alegria. Os cantores variam muito ao longo dos anos e os músicos são oriundos principalmente da Filarmónica Gafanhense (instrumentos de sopro) e tem havido ainda e desde sempre, a colaboração de outros gafanhões (instrumentos de corda).
Os trajes dos Reis e outros foram, durante muitos anos, alugados por Manuel Caçoilo da Rocha e pelos seus herdeiros. Em 1980, o Padre António Borges, com o apoio da Comissão, confeccionou novos trajes aproveitando alguns paramentos gastos pelo uso. E são esses trajes que hoje podem ser vistos.
Falar do Cortejo dos reis, é falar de entusiasmo, de tradições, de usos e costumes por vezes pouco conhecidos, de figuras típicas que se vão perdendo na memória do tempo. Os participantes sem qualquer função definida vestem, por norma, trajes diferentes dos habituais, muitas vezes tentando imitar os trajes minhotos. Razões aparentes não as descortinámos, muito embora se diga que tudo isso se deve a influências dos minhotos aqui radicados. Terão sido os minhotos que mais influências exerceram sobre os gafanhões? São questões que aqui ficam em jeito de desafio aos estudiosos. Mas há outros trajes. Os pescadores, os moleiros, os lavradores, as galinheiras, as mulheres da seca, entre outros mais ou menos expressivos.
De salientar, também, os que se vestem de pobres de pedir, de ciganos, de noivos à antiga, de senhores e senhoras de principio de século, etc.
O entusiasmo de muitos é alimentado por um qualquer animador de lugar que prepara ou faz preparar um carro, ornamentando-o e fazendo canalizar para o grupo as mais variadas contribuições, havendo depois um certo e legitimo orgulho na divulgação dos resultados. Há uma espécie de competição bastante salutar.
Outros há que fazem questão de exibir novidades, apresentando padarias, carros de comes e bebes, representações etnográficas e miniaturas de edifícios da Gafanha da Nazaré: Igreja Matriz, Santuário de Schoenstatt, farol e ainda barcos, etc.
Das iniciativas que mais gente envolve, queremos destacar a “Campanha do Ovo” que a catequese tem posto de pé nos últimos anos. Cada criança traz um ovo ou mais e ainda açúcar, e com tudo isto se fabricam saborosos folares que todas as famílias gafanhoas podem apreciar mesmo antes do Cortejo e principalmente no próprio dia.
No dia do Cortejo, porém, e depois do leilão, também podem ser apreciados os variadíssimos presentes em que sobressaem coisas de comer: bolos dos mais variados tamanhos e aspectos, leitões bem assados, rojões à antiga, chouriços, fruta, coelhos e frangos assados, bolos de bacalhau, tudo bem acompanhado por bons vinhos. Mas há ainda batatas, bacalhau normalmente graúdo e especial, enguias fritas, etc.
Outros presentes completam o rol: passarinho em gaiolas, garrafas de todas as marcas e qualidades, lenha, abóboras, quadros e um sem número de pequenas e grandes coisas demonstrativas da generosidade dos gafanhões.
Os leiloeiros são, normalmente, figuras com jeito especial para este trabalho. Fazem comprar com os seus apartes oportunos, com desafios interpelantes, com frases estimulantes de apetites. Pessoas alegres, fazem mesmo render o negócio. Os gafanhões mais idosos recordam-nos alguns deles, embora seja difícil fazer uma relação exaustiva. Pudemos registar os senhores Bernardino e antes dele um seu familiar, Bola Sardo, Manuel Carlos Faustino, Manuel Fidalgo Filipe, António Ramos Casqueira, Rosa Bola, Manuel Maria Relvas, António Morais e Manuel Alberto Vilarinho Carlos.
Para além dos leiloeiros, outras figuras típicas povoam a nossa memória. Recordamos o coveiro Vechina que tanto cantava e dançava, o Patinha que se apresentava habitualmente de pobre de pedir, com barba crescida, chapéu e roupas velhas e muitos outros de identificação difícil, mas que aqui homenageamos por tanto terem contribuído para a preservação desta festa mais que secular.
Texto da autoria do Sr. Professor Fernando Martins, intitulado Cortejo dos Reis – Subsídios para a sua história, publicado na brochura “Cortejo dos Reis – Um Apontamento Histórico”, da paroquia da Gafanha da Nazaré em 1992.

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