domingo, 7 de fevereiro de 2010

A pesca do bacalhau nos mares da Gronelândia (parte 1)

PRIMEIRA VIAGEM
Há já muitos e muitos anos, que, na época própria, airosos veleiros portugueses atravessavam o Atlântico, a fim de, nos bancos da Terra Nova, praticarem a pesca à linha.
Mas o peixe começou a escassear naquelas paragens e era necessário procurar outros bancos, onde houvesse abundância de bacalhau, para que os carregamentos dos lugres pudessem compensar as enormes despesas feitas pelos armadores.
Quase todas as empresas se encontravam arruinadas e esta indústria, com mais dois ou três anos, maus, terminaria toda a sua actividade.
Nestes apuros, em 1930, um homem de Ílhavo, Capitão do lugre Santa Mafalda, tentou demandar os mares da Gronelândia, onde se dizia haver muito bacalhau.
Mas, porque se não tinha munido de todas as cartas daquela região, regressou à Terra Nova, depois de haver sofrido as inclemências do frio, nos mares gelados do estreito de Davies.
Estava, no entanto, lançada a ideia.
No ano seguinte, quatro navios, «Santa Joana», «Santa Mafalda», «Santa Isabel» e Santa Luzia», comandados respectivamente pelos Capitães João Ventura da Cruz, João Pereira Cajeira, Manuel dos Santos Labrincha e Aquiles Gonçalves Bilelo, todos de Ílhavo, depois de permanecerem nos bancos da Terra Nova, durante cerca de um mês, rumaram aos mares da Gronelândia, onde encontraram grande fartura de bacalhau.

- Alta madrugada, estrelas ainda no céu, os da «companha» são acordados por uma voz rouca e forte que, da boca do rancho, exclama, seja Louvado e adorado Nosso Senhor Jesus Cristo: são quatro horas, vamos arriar.
Ainda estremunhados, os pescadores saltam dos beliches e enfiam a roupa de oleado e as botas de água. Engolido à pressa o café, sobem, a correr, para o convés.
Então os dóris, munidos do estrafego, da agulha de marear e da isca, são imediatamente arriados pelos teques e afastam-se do navio.
A remos ou à vela, lá vão eles para o lejo, à procura dum bom espalco, onde a trabalhosa e enervante faina da pesca possa ser compensadora.
Mas, como nos dias anteriores, o bacalhau não aparece.
À tardinha, depois de muita procura, todos regressam ao lugre, uns quase vazios e outros com peixe à sarreta.
A bordo é uma tristeza! Já passou um mês e ainda não se pescaram trezentos quintais.
De noite, aquela longa noite, em que nada se ouvia a não ser os gemidos monótonos produzidos pela oscilação lenta do navio e o tic-tac do relógio de cobre, pendurado na antepala, por baixo do alboi, o Capitão não dormia.

Primeiramente, sentado na loca da Câmara, que um candeeiro de suspensão iluminava, com a sua luz amarelada e vacilante, falara com o piloto e com o contramestre; mas agora, no seu camarote, muito sozinho, como não conciliava o sono, pensava, pensava sempre.
Aos louvados, já ele estava no convés, sem pregado olho.
Reuniu então toda a companha:
- Rapazes: aqui não fazemos nada.
É uma desgraça para nós e para os patrões!
Dizem que lá ao Norte, na Gronelândia, há muita fartura de peixe.
Quereis ir até lá?
Os pescadores, receosos, entreolharam-se e nada disseram.
Mas, passado aquele momento de indecisão, um dos mais velhos quebrou o silêncio: o senhor Capitão tem mulher e filhos, como nós.
Leve-nos, portanto, para onde quiser, pois temos a certeza de que vamos para bem.
Leve-nos para qualquer sítio, onde haja bacalhau, porque foi para o pescar que deixámos, lá longe e com tantas saudades, as nossas terras e as nossas famílias.

Surgiu então no Diário de bordo, que tenho na minha frente, a seguinte passagem:
«Aos dois dias do mês de Julho de 1931, estando o lugre «Santa Joana» ancorado na Virgin Rocks, a E do Main Ledg, como não houvesse peixe suficiente para o carregamento do navio, resolveu o Capitão suspender a amarra e seguir viagem para os bancos da Gronelândia.
Pelas 18,30 horas, começou-se a virar a amarra e, pelas 19 horas, fizemo-nos de vela ao rumo NE 4N, com vento W e todo o pano largo.
Juntos na Virgin Rocks estavam os seguintes lugres portugueses: Santa Isabel, Hostense e Cruz de Malta.
Navegámos com vento W regular e nevoeiro cerrado, não se vendo os navios, quando partimos».
A viagem, que demorou treze dias, foi toda feita com tempo irregular. Algumas vezes havia vento muito fresco, com aguaceiros de neve e mar bastante agitado; noutras ocasiões, apenas se fazia sentir uma leve
aragem, que mal fazia deslocar o navio, ficando este quase desgovernado, quando, pela tardinha, o vento acal­mava por completo.
Assim se foi singrando, pouco a pouco, por águas desconhecidas e muito frias, que eram olhadas com des­confiança e um certo temor.
(Continua)

A pesca do Bacalhau nos mares da Gronelândia

Pelo Dr. Amadeu Eurípides Cachim, Director da Escola Industrial e Comercial de Aveiro

Amadeu Eurípides Cachim - In: "AVEIRO E O SEU DISTRITO", N.º 4, 1967, pp. 29-34

Sem comentários:

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails