quarta-feira, 24 de março de 2010

Uma terra feliz - II


Estende-se sobre dunas de areias, circundadas pelas rias de Ílhavo e Aveiro, constituindo uma freguesia autónoma daquele concelho.
Ainda ontem essa região enorme tinha o carácter desolador de um deserto, mas hoje cada grão de areia é, por assim dizer, o gérmen produtor de microgramas de ouro, tão frisante se mostra o esforço de actividade com que, nestes últimos tempos, o Gafanhão tem transformado a natureza de toda aquela enorme zona arenosa.
Quem fecundou essa areia solta, sem coesão das plantas, a ponto de se obter este milagre admirável da sua actual fertilidade agrícola?
O delta luminoso do Vouga, que afaga e aperta a Gafanha num abraço de águas, ora permanente, ora alternativo, inundando-a agora, para logo a deixar enxuta.
Mas nem só desse fluxo e refluxo de águas dependem a vida e a riqueza desses terrenos arenosos. A ria tem no fundo do seu leito o elemento característico que aduba as areias e as corrige na sua adaptação a variadas culturas.
O adubo gerador dessa fertilidade é constituído pelo moliço, algas arrancadas pelo braço do Gafanhão ao leito da ria, e cujo mister, só por si, dá origem a uma fonte de grande receita para todos os povos ribeirinhos. A apanha dessas algas é feita de bordo de barcos moliceiros, de feitio muito original, que percorrem a ria em todas as direcções, sendo transportadas depois para terra por meio de carros de bois, de antigo tipo romano. O valor anual do moliço, é comportado em cerca de duzentos contos, em grande parte gasto no adubo das areias da Gafanha.
Não admira que toda esta riqueza seja produzida pela ria, se atendermos a que a sua área é de nove mil duzentos e setenta hectares, e que as suas águas marginais atravessam terrenos de dois distritos, seis concelhos e vinte e seis freguesias.
Alem disto estas águas tão prudentemente aproveitadas pelo Gafanhão, não lhe produzem somente o moliço. São ainda outras as fontes de riqueza da ria, como as que provêem da pesca, da caça, do sal das marinhas, da junca, do caniço, que poderemos orçar no valor de outros duzentos contos anuais.
Por aqui se vê que ária constitui uma região aquática de variados recursos, única no pais e que cientificamente explorada, sem a feição atrasada do trabalho que a depaupera, em vez de lhe conservar a opulência da sua produção, tornaria rica e feliz toda a província da Beira-mar.


Texto de António Maria Lopes publicado no jornal “O Ilhavense” de 15 de Novembro de 1994.

(Continua)

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